segunda-feira, 30 de setembro de 2013


Não entendo porque eu e você somos assim. Não sei qual a necessidade que sentimos de julgar a todo instante. Nos achamos no direito de emitir opinião sobre coisas que ninguém nos perguntou. Pensamos que podemos abrir a boca para dar os mais diversos tipos de palpites sobre a vida alheia. Entenda: uma coisa é você dizer o que acha para um amigo, outra bem diferente é resolver falar da vida de gente que nem sabe da sua existência. 

Todos os dias sites, revistas e jornais sentem necessidade de dizer que alguém está magro ou gordo demais, velho ou plastificado ao extremo, despenteado ou com roupa curta, de chinelos ou com uma maquiagem extravagante. Em um mundo onde teoricamente todos nós somos livres sobram pitacos sobre como você deve ser e se comportar. 

Esses dias eu estava dançando no corredor do supermercado. Tocou minha música preferida, alguma empolgação tomou conta do meu ser e fiquei fazendo dois-pra-cá-dois-pra-lá. Recebi olhares curiosos. Alguns sacudiram a cabeça dando a entender essa-não-tomou-o-Gardenal-do-dia. Outros sorriam, talvez com uma falta de coragem de fazer o mesmo. Hoje, caminhando no parque, vi uma moça com fones de ouvido cantando bem alto e balançando a cabeça, envolvida com a música. Muitos, inclusive eu, olharam meio espantados. A pergunta é: por quê? Por que não podemos ser quem somos? Por que temos que ser como todo mundo? Por que precisamos nos vestir da mesma forma? Por que temos que seguir, como ovelhas cegas, o que dizem? 

Não entendo por qual motivo a magreza da Carolina Magalhães choca. Nem porque se importam tanto com os quilos extra da Preta Gil. Até onde eu sei as duas são adultas, têm espelho em casa e sabem o que querem para suas vidas e seus corpos. Não sei porque se preocupam tanto que uma atriz, que acabou de parir, ainda está fora do peso. Ou porque outra, que engordou muito na gravidez e ainda não voltou a velha forma, engravidou novamente. Também não sei porque a parte interna da coxa mais molinha da Fulana é manchete na revista. Nem porque uma mulher não pode envelhecer em paz, do jeito que quiser. 

Não estou dizendo que ter pouco ou muito peso é legal. Nem que ter o rosto esticadinho ou enrugadinho é mais ou menos feio. Só estou te convidando a fazer uma pequena reflexão. E de certa forma também estou conversando comigo mesma. Por que a gente se importa tanto com a vida do outro? Não seria bem mais fácil você cuidar da sua saúde, da sua pele, do seu cabelo e do seu corpo? Não é mais fácil você, sem seguir o que a mídia diz, fazer da sua vida o que quer? Se gosta de cabelo curto, tenha cabelo curto, mesmo que a moda seja cabelão. Se está feliz com seus peitos tamanho P não coloque silicone. Se gosta de decote, use. Se não gosta: não use. Mas deixe quem gosta usar sem dizer que fulana-é-puta-porque-mostra-o-corpo. Se você tem quilos a mais e se sente bem com isso, relaxe e curta ser quem é. Se você tem quilos a menos e adora ser mais sequinha, relaxe e curta ser quem é. Um corpo precisa ser saudável, independente do tamanho. Não entre na dieta da moda nem cometa loucuras só porque alguém inventou que o bom é ser magérrimo. 

Nem a mulher mais linda do mundo sai bem em todas as fotos. Alguns ângulos realmente não favorecem. Não existe perfeição absoluta. Seu cabelo pode ser um escândalo de bonito, mas a sua unha pode ser fraca. Sua bunda pode ser dura e empinada, mas seu pé pode ser feio. Seu par de seios podem ser maravilhosos, mas seu nariz pode ser torto. Por isso, não fique apontando o dedo e dizendo nossa-quanta-celulite-na-perna-da-Camila só porque você não tem nenhuma. As pessoas são muito mais do que um punhado de celulites. Além disso, se você se olhar bem no espelho verá um monte de defeitos. Fora os de dentro: esses espelho nenhum mostra.


Clarissa Corrêa

Vitor nasceu no jardim das margaridas 
Erva-daninha nunca teve primavera 
Cresceu sem pai sem mãe sem norte sem seta 
Pés no chão, nunca teve bicicleta.

Já Hugo não nasceu, estreou 
Pele branquinha, nunca teve inverno 
tinha pai, mãe, caderno e fada-madrinha.

Vitor virou ladrão 
Hugo salafrário 
Um roubava por pão 
O outro para reforçar o salário.

Um usava capuz 
O outro gravata 
Um roubava na luz 
O outro em noite de serenata.

Um vivia de cativeiro 
O outro de negócio 
Um não tinha amigo, parceiro 
O outro, sócio.

Retrato falado Vitor tinha cara na notícia 
Enquanto Hugo fazia pose pra revista.
O da pólvora apodrece impenitente 
O da caneta enriquece impunemente 
A um só resta virar crente 
O outro é candidato a presidente.

Sergio Vaz
segunda-feira, 23 de setembro de 2013
"A menina, com seu vestido estampado sentia tudo girar. Ela girava até ficar tonta. Porque ela gostava daquela tontura pra viver. Era como centenas de borboletas farfalhando dentro dela. E no bater das asas, levassem embora as memórias, as derrotas, os cansaços. Depois, a menina saía mais leve. Como se pisando estivesse num tapete florido. Um pouco mais de vento, ela saia voando. Gostoso não sei se era. Mas bonito parecia. Ver a menina daquele jeito, cabelos soltos, pés descalços, sorriso no rosto, uma estrela na testa. Como num quadro pintando a guache. Girando e vendo tudo girar. Ela e Deus. Sozinha no planeta Terra. Louca e completamente feliz."


sexta-feira, 13 de setembro de 2013


Que a gente saiba apreciar as pequenas vitórias. E não esqueça que o pensamento é a chave do bem-estar. Que a gente cuide da saúde e da alma. E gaste energia somente no que faz bem. Que a gente fique de olhos e ouvidos abertos. E não se deixe levar por fofoca ou intriga. Que a gente passe a se preocupar com o que tem fundamento. E deixe pra lá o que não acrescenta ou faz bem. Que a gente entenda que o silêncio é de ouro. E que nem sempre o que sai da nossa boca é bem interpretado ou visto. Que a gente comece a cuidar mais da própria vida. E exercite um pouco aquele egoísmo saudável. Que a gente vá até onde a força permitir. E perceba que sempre resta um pouquinho de força. Que a gente ame sem pedir em troca. E perceba o quanto isso é reconfortante. Que a gente tenha mais paciência. E perdoe os erros. Que a gente obedeça o coração. E não esqueça que é preciso manter pelo menos um pé no chão. Que a gente ache o caminho. E que se perca de vez em quando. Que a gente mantenha um sorriso na boca. E não esmoreça quando a vida fechar uma porta. Que a gente entenda que não dá pra abraçar o mundo. Mas dá pra abraçar algumas pessoas e fazer a diferença.

Clarissa Corrêa


Nunca ninguém sabe se estou louco para rir ou para chorar...
Por isso o meu verso tem
esse quase imperceptível tremor...
A vida é triste, o mundo é louco!
Nem vale a pena matar-se por isso.
Nem por ninguém.
Por nenhum amor...
A vida continua, indiferente!



Mário Quintana - A cor do invisível
quarta-feira, 4 de setembro de 2013


“Tem beijo que parece mordida, tem mordida que parece carinho. Tem carinho que parece briga, tem briga que aparece pra trazer sorriso. Tem riso que parece choro, tem choro que é por alegria. Tem dia que parece noite, e a tristeza parece poesia. Tem motivo pra viver de novo, tem o novo que quer ter o motivo. Tem aquele que parece feio, mas o coração nos diz que é o mais bonito.”

Livro: O teatro mágico em palavras- Maíra Viana
terça-feira, 3 de setembro de 2013
Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade.

Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado chicles e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas.

Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou:

- Como não acaba? - Parei um instante na rua, perplexa.

- Não acaba nunca, e pronto.

- Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para o reino de histórias de príncipes e fadas. Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para fazê-la durar mais. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual já começara a me dar conta.

- Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca.

- E agora que é que eu faço? - Perguntei para não errar no ritual que certamente deveira haver.

- Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar. E aí mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários.

- Perder a eternidade? Nunca.

O adocicado do chicle era bonzinho, não podia dizer que era ótimo. E, ainda perplexa, encaminhávamo-nos para a escola.

- Acabou-se o docinho. E agora?

- Agora mastigue para sempre.

Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da idéia de eternidade ou de infinito.

Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade. Que só me dava aflição. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar.

Até que não suportei mais, e, atrevessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia.

- Olha só o que me aconteceu! - Disse eu em fingidos espanto e tristeza. - Agora não posso mastigar mais! A bala acabou!

- Já lhe disse - repetiu minha irmã - que ela não acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. Até de noite a gente pode ir mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá.

Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra na boca por acaso.

Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim. 

Autora: Clarice Lispector

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Meu mundo se resume a palavras que me perfuram, a canções que me comovem, a paixões que já nem lembro, a perguntas sem respostas, a respostas que não me servem, à constante perseguição do que ainda não sei.

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